Estória: narrativa de lendas, contos tradicionais de ficção.

História: narração ordenada, escrita dos acontecimentos e actividades humanas ocorridas no passado.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A Lenda da Veiga da Matança

Era uma vez uma veiga a que chamam a Veiga da matança, em terras de beleza e viço dos Arcos de Valdevez. O seu nome nasce da convicção popular de que, em 1143, aí se travou uma batalha sanguinária entre as hostes de D. Afonso Henriques e as de seu primo, o Imperador e rei D. Afonso VII, de Leão.


O motivo da contenda residia na quebra do tratado de Tuy, em que o primeiro rei de Portugal prometia vassalagem ao soberano vizinho. Mas D. Afonso Henriques era um espírito rebelde, valente e determinado, disposto a fazer do Condado Portucalense que exigira, pelas armas, a sua mãe D. Teresa, um país independente e dilatado à custa das conquistas dos territórios da Moirama, a estenderem-se do Mondego ao reino do Algarve. Tivera, já, sob a protecção divina, uma batalha decisiva, nos Campos de Ourique, além-Tejo, contra cinco reis moiros. Como memória desta vitória e da milagrosa presença de Cristo, pois a lenda afirma o seu aparecimento ao rei, encorajando-o à luta contra os infiéis, a bandeira de D. Afonso Henriques passou a ostentar, em cinco quinas, as cinco chagas do Crucificado.

Sabendo da entrada do imperador pelo norte do país que estava a construir, com entusiasmo, o rei português sobe aos Arcos, disposto a terçar armas pelos direitos do seu sonho

patriótico. E foi ocupar logo, para dar batalha, um lugar privilegiado, o alto Castelo de Santa Cruz, onde os seus cavaleiros aguardaram, impacientes, o inimigo leonês. Em piores condições enco ntrava-se D. Afonso VII, à frente das suas mesnadas. Combater o primo, em tais apuros, era uma temeridade! Então, sabiamente aconselhado, propôs a D. Afonso Henriques o encontro dos dois exércitos na planura da veiga, não para a violência de uma batalha, mas apenas para a destreza de um torneio, ou bafordo, como então era chamado. Assim, cada cavaleiro português desafiava um cavaleiro leonês, para um confronto singular. E venceria quem mais inimigos houvessem derrubado. D. Afonso Henriques aceitou o repto e, rodeado de bons e esforçados cavaleiros, experientes em manejar a lança e a espada no corpo do contendor, saiu-se vencedor do bafordo, obrigando o imperador a regressar aos seus domínios de além-Minho.

Pouco tardou que D. Afonso VII não assinasse um armistício com o primo português, aceitando-lhe, diante de um alto dignitário da Igreja, o título de rei. Graças ao acordo entre dois monarcas, a veiga arcuense assistiu, assim, não a uma carnificina, mas quase a um espectáculo palaciano, embora temerário, que, noutras circunstâncias, poderia, até, ser admirado por damas e donzéis, entre guiões de seda e ornamentos de festa. Mas a lenda sobrepõe-se à História, e, séculos atrás de séculos, o povo olha a pujança pacífica daquela extensa veiga cultivada, como local fatídico de uma horrenda batalha, com a terra empapada em sangue, cavalos desventrados, guerreiros agonizantes, segurando, ainda, na mão exangue, lanças, escudos, espadas, gemendo de dor, suspirando de morte. Incólume, no meio desta hecatombe, empunhado a branca bandeira das quinas, montando um cavalo banhado de espuma, mas de crinas agitadas ao vento da glória, qualquer pode imaginar o vulto espesso e nobre de D. Afonso Henriques, o rei-herói, anunciando, naquela veiga, naquela matança, o Dia Primeiro de Portugal!.


Transcrito de: Viana, António Manuel Couto, 2002. Lendas do Vale do Lima, Valima.

Fotos: Geocaching

quarta-feira, 9 de maio de 2007

A Moura da presa de S. Domingos

Duma feita, estava uma Moura a lavar uma grade de ouro na presa de S. Domingos, na freguesia da Carvalhosa, de Paços de Ferreira.

O dono da presa foi pela sesta soltá-la, para regar um campo de milho a que tinha acabado de dar a segunda sacha.


A Moura, ao vê-lo, parou de trupar com a grade na auga, e pidiu-lhe que a não abrisse para a poder lavar a preceito.


Ao lavrador ainda lhe deu continuas de a satisfazer, porque a Moura até riquezas lhe ofereceu, mas ele não podia deixar para oitro dia, por que os milhos estavam entalados.


A primeira sacha tinha sido mal feita; a segunda muito trabalhosa, e era preciso que o lavrador se chegasse a elles, porque lá diz o ditado:


‘Quem mal decrua, ao arrendar a sua’.


Então a Moura, para se vingar, rogou-lhe esta praga: - «Nunca mais guiarás a auga, nem te chegará ao campo».


E o caso é que ela teve revaleste.


Era que farte, e depois começou a chupar-se, a sumir-se pelo monte, pouco a pouco e nunca mais ninguém lá chegou.


E, antigamente, até regava uma agra que ficava muito longe, no lugar de Peias.


Transcrito de: Brandão, Abílio, 1911. Lendas de Mouras Encantadas in Revista Lusitana, volume 14, Livraria Clássica Editora, Lisboa.

Pedras-Mouras

Na Bouça de Talhos, da freguesia de Jesufrei, do concelho de Vila Nova de Famalicão, existem, desde o tempo dos Mouros, umas pedras feitas a picão, com riscos fundos, de forma de cruzes, abertos nas pedras.

Quem nelas se assentar, fica encantado, e se levar alguma para casa morrem-lhe todos os animais que tiver.


Há muitos anos já que o Joaquim da Bouça, d’Arnosa, levou uma das pedras-mouras para casa e, pouco tempo depois, morreram-lhe os bois, porcos e galinhas.


Só passou este andaço depois que tornou a levar a pedra moura ao lugar donde a tinha tirado.



É assim, consoante agora a contamos, que temos ouvido ao povo esta lenda.


Ainda há dias, um mancebo de Jesufrei nos afirmei que, quando era rapazinho, e andava a pastorear o gado, os amos lhe recomendavam sempre se não assentasse nas pedras-mouras, pois era tal o medo que tinha, que nem perto delas passava.


Aguilhoado pela curiosidade de ver as pedras mouriscas, que deram origem a esta lenda, fomos procura-la à Bouça de Talhos.


Efectivamente lá encontramos entre o mato, em diversos lugares, num pequeno montado e pinheiral, vedado por parede, três pedras feitas a pico e que denotam grande antiguidade, tão apagados e gastos estão as gravuras duma.


Na face mais polida duma vê-se uma circunferência, que mede de diâmetro 0,38m, com uma cruz do mesmo tamanho, à guisa da dos cavaleiros da ordem de malta. Esta tem de comprimento 0,80m; de largura 0,44 e de grossura 0,30m. Dum lado, em linha regularmente distanciadas, têm oito covinhas em apenas lhe cabe a cabeça do dedo mínimo.


Outra é das mesmas dimensões e com igual desenho no lado aposto, em cima e nas bandas.


Foi partida em três partes, provavelmente por algum supersticioso dos que crêem, como é vulgar no povo, que nas pedras-mouras estão encantadas riquezas.


Outra pedra mede 1,36m de comprimento, 0,45m de largura e 0,30m de espessura e a circunferência com a cruz é de 0,38m de diâmetro, mas só dum lado, que está feito a pico.


Ainda outra igual a esta está no Campo da povoação, encostada à parede do Campo da carreira.


Transcrito de: Brandão, Abílio, 1911. Lendas de Mouras Encantadas in Revista Lusitana, volume 14, Livraria Clássica Editora, Lisboa.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

A Lenda do Cervo Rei

Era uma vez … um cervo (veado), que os Deuses do Olimpo quiseram que fosse Rei. Escolheu estas terras outrora desabitadas do "bicho" homem e aqui prantou sua colónia de cervos de tal modo que nas redondezas toda a gente passou a chamar a estes lugares "terras de cervaria".


Muitos anos correram. Lutas e refregas, calamidades que foram dizimando a colónia, até que ficou só o Rei Cervo.


Diz a lenda que na Reconquista quando os Senhores de pendão e caldeira desceram dos cerros asturianos à conquista do que seria mais tarde o "Condado Portucalense", um jovem fidalgo desafiou o Rei Cervo para uma luta frente e frente.


E o velho senhor aceitou. A luta seria travada entre arvoredos e ervas daninhas e num local onde existiam pequenas valas no lugar de Valinha (Cornes ?).


E sem apelo nem agravo conta-nos a "estória", o Rei Cervo venceu !


Ficou com o pendão do fidalgo e, a partir daí, seu brasão de armas foi a bandeira conquistada.


Mas os Deuses enganaram o velho Rei. Ele não seria imortal …


Cansado da vida, doente, na solidão das fragas, o velho Senhor morreu. E com ele desapareceu para sempre a "Terra da Cervaria" (…).


Ainda hoje e para que a "estória" se não perdesse, as "armas" de Vila Nova de Cerveira têm um cervo em campo verde, passante de ouro, armado de prata, contendo entre as hastes um escudete de azul carregado de cinco besantes de prata. E, também, no cimo dos montes deste Município mandou construir "in memoriam" o Rei Cervo, que numa notável escultura em ferro, de José Rodrigues, atesta a longevidade das "Terras de Cervaria".





Transcrito e foto de: RTAM

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A Mal Degolada

Em tempos muito antigos viveram nas margens do rio Lima, perto da vila de Ponte de Lima algumas famílias de mouros. Eles teimavam em lá continuar.


Uma jovem moura muito bonita, apaixonou-se por um jovem cristão. Então começaram a namorar em segredo, porque eles não tinham a mesma religião. As famílias não aceitavam tal namoro.


Um dia, foram dizer ao cristão apaixonado, que ela ia namorar todas as noites com outro homem, para junto da fonte. O rapaz não queria acreditar, mas ficou desconfiado.


Assim, armado de um comprido punhal foi espreitá-la junto à fonte, mas escondido.


Verificou que era verdade o que lhe tinham dito. Ficou cheio de ódio e quis vingar-se. De um salto, enterrou o afiado punhal no pescoço da moça, repetidas vezes.


De repente, ouviu-se a voz de um velho e ele parou:


- Desgraçado, o que fizeste ?! Acabas de matar a moça que por amor a ti, aprendeu o catecismo. Acabei agora mesmo de a baptizar, como cristã.


O velho que falou, era um santo frade do convento. Ali vinha todas as noites, para a família dos mouros não desconfiar.


Isto aconteceu onde hoje é a freguesia de Bertiandos. O povo chama à fonte, a "Fonte da Moura" que fica na quinta de Bertiandos. Há também uma rua vizinha chamada a Rua da Fonte.


Transcrito de: Ponte de Lima