Estória: narrativa de lendas, contos tradicionais de ficção.

História: narração ordenada, escrita dos acontecimentos e actividades humanas ocorridas no passado.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O Juiz de Soajo

Lenda ou realidade, a história do juiz de Soajo, Ti Sarramalho, é por todos conhecida, sendo ele o símbolo da inteligência e justiça de todo o povo da Vila de Soajo.

O Juiz Sarramalho era um dos homens bons da terra, de passagem
para a sua terra natal, deparou com um crime de morte de um indivíduo, sendo testemunha ocular. O caso foi submetido a julgamento e face às provas testemunhais tinha de sentenciar. Proferiu então o seguinte veredicto: “Morra que não morra, dê-se-lhe um nó que não corra, ou degredado toda a vida e com cem anos para se preparar”.

É claro que esta decisão não foi entendida pela maioria das pessoas. A sentença subiu às instâncias superiores e por recurso. Foi então, chamado o Juiz de Soajo, para justificar e explicara sentença dada. Cansado de tanto esperar de pé, pelos juízes do Tribunal da Relação, tirou a sua capa das costas e sentou-se nela, no chão. Após ter justificado a sentença, retirou-se. Sendo chamado, quando descia as escadas, que se esquecera da capa. De maneira digna, respondeu com altivez: “O Juiz de Soajo, cadeira onde se sentou, nunca consigo a levou.”

Já no reinado de D. Afonso III se fazia referência à existência do julgado de Soajo, a avaliar pelas várias disposições legais, compiladas por especialistas, que afirmam a existência desse julgado nas reformas administrativas, no século de 1800. No território de jurisdição do Julgado de Soajo exerceram as suas actividades vários juízes ordinários e não apenas o mais conhecido e sempre referenciado Ti Sarramalho.



Transcrito de: Freguesias de Portugal
Foto de: carto:net

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

O Senhor do Galo de Barcelos e o Milagre do Enforcado

Esta lenda está associada a um antigo padrão de pedra de Barcelos, de origem desconhecida, que tem em si gravados, em baixo relevo, a Virgem, S. Paulo, o Sol, a Lua e um Dragão de um lado e do outro um Cristo Crucificado, um Galo e Santiago sustentando um enforcado.

Na origem da lenda está um crime perpetrado em Barcelinhos que ficou impune, apesar das sérias investigações das autoridades de então. Este crime ficou esquecido até que um dia um peregrino galego que se dirigia a Santiago parou para passar a noite no albergue local. Ao jantar, enquanto ceava, reparou que alguém o observava fixamente mas não fez caso e continuou a sua refeição. O observador saiu do albergue, dirigiu-se a casa do juiz, e acusou o peregrino da autoria do crime. Preso, o crente galego não conseguia apresentar provas da sua inocência, tendo sido levado para as masmorras, julgado e condenado à forca.



Cruzeiro da Lenda do Galo datado do Séc. XIV


No dia do enforcamento, o peregrino pediu, como sua última vontade, que o levassem à presença do juiz que tão injustamente o tinha julgado. Perante o juiz, que estava em sua casa preparando-se para trinchar um magnífico galo assado, o condenado ajoelhou-se. Seguidamente, afirmou a sua inocência e suplicou que não o enforcassem, pois era a primeira vez que estava em Barcelinhos e nunca tinha visto a vítima do crime. O juiz não se comoveu. Então, o galego invocou a ajuda de Santiago e perante todos afirmou que era tão certo estar inocente como o galo assado cantar antes do dia acabar. Todos os convivas presentes se riram da afirmação mas, supersticiosamente, não tocaram no galo.

À noite, observaram com espanto que o galo se cobria de penas novas, se levantava e batia asas para cantar com energia. Correram todos para o lugar da forca e encheram-se de espanto ao ver o peregrino vivo, com uma corda lassa à volta do pescoço, apesar de estar pendurado. Atemorizados por este facto insólito, libertaram o peregrino galego, deixando-o seguir o seu caminho. Diz-se que em agradecimento pela ajuda de Santiago, o peregrino mandou colocar o padrão que ainda hoje lá se encontra.


sexta-feira, 13 de julho de 2007

Sexta-Feira 13

Uma ou seja, uma Sexta-feira no dia 13 de qualquer mês, é considerada popularmente como um dia de azar. Paraskavedekatriaphobia é o medo/fobia da Sexta‑feira 13. [4]

Dia escolhido segundo a cultura poular, a Sexta-feira 13 é conhecida como "o dia do azar" ou de "usar amuleto no bolso". A crença europeia revela que nas "Sextas-feiras 13, as bruxas estão soltas". A superstição de evitar 13 convidados à mesa é tradicional como uma reminiscência da Última Ceia, quando Jesus Cristo ceou com os seus 12 apóstolos, anunciando-lhe a traição de um deles e seu próprio martírio". [1]

A crença de que o dia 13, quando cai numa sexta-feira, é dia de azar, é a mais popular superstição entre os cristãos. Há muitas explicações para isso.


Os Templários

Esta superstição pode ter tido origem numa rixa entre o rei francês Filipe, o Belo, e a Ordem dos Templários, no séc. XIV, tendo o monarca declarado ilegal a Ordem. Os Templários foram presos simultaneamente em todo o país e alguns torturados e, mais tarde, executados por heresia. Isto ocorreu em 13 de Outubro de 1307. [1] [2]

Jesus Cristo

Outra possibilidade para esta crença reside no facto de que Jesus Cristo foi crucificado provavelmente numa sexta-feira treze. Na sua última ceia sentaram-se à mesa 13 pessoas, Jesus mais os 12 apóstolos [2] [3] [4], sendo que duas delas, Jesus e Judas, morreram em seguida, por mortes trágicas, Jesus por execução na cruz e Judas, provavelmente, por suicídio. [4]

Última Ceia de Leonardo da Vinci


Mitologia Nórdica

Antes disso, porém, existem versões que provêm de duas lendas da mitologia nórdica. Na primeira delas, conta-se que houve um banquete e 12 deuses foram convidados. Loki, espírito do mal e da discórdia, apareceu sem ser chamado e armou uma briga que terminou com a morte de Balder, o favorito dos deuses. Desta lenda surgiu a crença de que convidar 13 pessoas para um jantar era desgraça certa. [2] [3] [4]

A outra lenda nórdica envolve Friga (que deu origem a friadagr, sexta-feira), a deusa do amor e da beleza. Quando as tribos nórdicas e alemãs se converteram ao cristianismo, Friga foi transformada em bruxa. Como vingança, ela passou a se reunir todas as sextas com outras 11 bruxas e o demónio, ficando os 13 a rogar pragas aos humanos. [2] [4]


Bibliografia:
[1] Buonfiglio, M., s/ data. Sexta-feira – 13. Site disponível: Terra – Esotérico, URL:
http://www.terra.com.br/esoterico/monica/colunas/2006/01/13/000.htm.
[2] Duarte, M., s/data. Sexta-Feira 13. Site disponível: O Guia dos Curiosos, URL:
http://guiadoscuriosos.ig.com.br/index.php?cat_id=50570.
[3] Piccoli, V., s/ data. Sexta-Feira 13. Site disponível: Terra – Páginas Pessoais, URL:
http://paginas.terra.com.br/educacao/calculu/Artigos/Curiosidadesmat/sexta.htm.
[4] Wikipédia, 2007. Sexta Feira 13. Site disponível: Wikipédia – A Enciclopédia Livre, URL:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sexta_Feira_13.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

A Coca / Procissão do Corpo de Deus


Monção é a terra da "Coca" ou "Santa Coca" ou, ainda, da "Coca Rabixa"! As lutas do Bem sobre o Mal, da Verdade sobre a Mentira, do Arcanjo S. Miguel sobre o Dragão são significados religiosos que, sobretudo, na Idade Média tiveram manifestações próprias, inclusivé, nos préstitos religiosos, infelizmente, desaparecidos no Alto Minho.


A «coca» monçanense está intimamente ligada à procissão do "Corpus Christi" e à conhecida lenda de S. Jorge: "S. Jorge acudindo ao apelo angustiado de uma jovem princesa, filha do rei da Líbia, mata com a sua lança, o dragão que a queria devorar. Esta impressionada pela heroicidade do santo converteu-se ao cristianismo". S. Jorge. O culto de S. Jorge nasceu no Oriente e ficou localizado, durante muito tempo, na Palestina, na Lícia e entre os coptas do Egipto, onde a cidade de Gegth lhe era consagrada. Foi daí que passou a Constantinopla, que lhe dedicou, na Ponta do Serralho, um grande mosteiro, chamado S. Jorge de Manganes.


Para Garção Gomes, a Festa do Corpus Christi, em Monção, data, possivelmente, dos princípios do Séc. XIV. Porém, os Acordãos que possuimos referem-se ao Séc. XVII : «nomeação do mordomo da serpe (mordomo dos alfaiates)» Lº de Acc., em 4/1/1634 ; «condenados aos mordomos dos taberneiros e aos dos ferreiros em mil réis cada um por não virem com as suas danças na procissão do dia de Corpus Christi, Lº de Acc, em 17/6/1634.


Em harmonia com a tradição, a "Coca" simbolizando o dragão, a que o povo tanto gosta de chamar "Santa Coca", "Diacho da Coca" ou, ainda, "Coca Rabixa", «Por bia da Santa Coca rabixa / perdi o diacho da Missa», Sai na manhã da procissão do Corpo de Deus, "passeando" pelas ruas de Monção. À mesma hora, S. Jorge adestra o seu ginete, em tempos idos um galego que representava, no auto, o Santo da Capadócia.


Na procissão, a que não falta o "Carro das Hervas", cheio de verdura e rapaziada; São Cristóvão, o advogado das crianças "biqueiras"; o "Boi Bento", todo enramilhetado de fitas e cores, vão as duas figuras principais do auto – a "coca", arrastando-se vagarosamente pelas ruas e calçadas, um monstro anfíbio de escamas reluzentes, com largas queixadas móveis e uma língua tremulante implantada em cabeçorra que volta à direita e à esquerda,, criando um misto de espanto e incrudelidade aos inúmeros devotos da «rabixa»; logo seguida de S. Jorge, em carne e osso, vestido a rigor, armado de lança e espada, capacete e broquel, e montado em cavalo de verdade. Procissão acabada, toda a gente, se desloca para o Campo do Souto. Aí, ofegante, vaidosa, inchada, pousona, a Santa Coca! S. Jorge media, ao largo, o "bicharoco", enquanto o cavalo, não habituado a multidões, se mostrava inseguro e nervoso. Ao impulso dos "comparsas" que se ocultavam no bojo da "bicha" e que a manobravam a seu bel-prazer, a Santa Coca vai a terreiro para o combate! Começa, então, o terrível combate !


A Coca em Redondela

Em Redondela (Galiza), a mesma questão se põe. O documento mais antigo provém de um documento do Bispo de Tui que lembra as obrigações das Paróquias e Confrarias em apresentar a dança das Espadas e das "Penlas", a "Coca" ou "Tarasca" ou "Monstro Marinho", na Procissão do Corpo de Deus (1627). Felizmente (e tal qual em Monção), o costume mantém-se.


A dança das Espadas recorda a mítica luta contra o monstro marinho que surgia em noites de grandes tempestades, raptando as raparigas casadoiras, semeando pânico e sujeição a que os marítimos de Redondela puseram cobro, matando o monstro. A dança das "penlas", em honra do Santíssimo Sacramento, consiste no seguinte: meninas são colocadas aos ombros de jovens raparigas executando graciosos movimentos de danças regionais. Outras Manifestações do Corpo de Deus (Tapetes Floridos).




Transcrito e foto de: RTAM

A Vaca das Cordas: véspera da Procissão do Corpo de Deus


Este velho costume da introdução da «Vaca das Cordas» (Ponte de Lima) na véspera da procissão do Corpus Christi, filia-se nos cultos egípcios de Isis, Osíris e Apis, trazidos para a Peninsula pelos fenícios, aceites pelos romanos e suevos e tolerados pelos cristãos (como o Boi Bento e a Serpe de Lerna).

É que no Olimpo, os Deuses também se apaixonavam! Segundo a mitologia, Io, filha do rei Inaco e de Ismene, linda como os amores, foi raptada por Júpiter. Juno, irmã e mulher deste, não esteve pelos ajustes e daí a sua perseguição a Io. Júpiter como qualquer mortal, temendo a mulher, metamorfoseou a apaixonada em vaca mas Juno, que lia os pensamentos do sublime adúltero, mandou do céu à terra um moscardo ciumento, incumbido de aferroar, incessantemente, a infeliz Io.

Assim, perseguida, Io fugiu para o Egipto onde Júpiter vendo-a tão desconsolada (diz a lenda que a bela vaca chorava rios de lágrimas, que juntas formariam o Nilo (!), a restituiu à forma natural, fez-lhe um filho (Epafo) e casou-se com Osiris, também adorado com o nome de Ápis. Os egípcios levantaram altares a Io debaixo do nome de Isis e exibiram nas solenidades, como seu símbolo, uma vaca errante, corrida. Ora, Isis, a vaca de Júpiter, a deusa da fecundidade teve um culto especial, precisamente, na Região Galaico-Bracária na área de Entre Douro e Minho, no Convento Bracaraugustano, concretamente, numa dependência administrativa judicial do distrito dos Límicos!



Vai ser ainda o Padre Roberto Maciel (in Almanaque Ilustrado de «O Comércio do Lima» 1908), quem nos vai ajudar a explicar a tradição da «vaca das cordas». Diz-nos o Revº Abade : A igreja Matriz da primitiva vila era um templo pagão dedicado a uma deusa, que, converteram em templo cristão a igreja, tiraram do nicho a imagem da deusa vaca, prenderam-na com cordas, com ela deram três voltas à igreja e depois arrastaram-na pelas ruas da vila, com aprazimento de todos os habitantes. Daí o tradicional costume da «vaca das cordas» pelas ruas, para gáudio do rapazio e até dos mais velhos, com tanto que se pilhem seguros bem longe da rede que os da corda costumam lançar-lhes.


Transcrito e foto de: RTAM

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A Lenda da Veiga da Matança

Era uma vez uma veiga a que chamam a Veiga da matança, em terras de beleza e viço dos Arcos de Valdevez. O seu nome nasce da convicção popular de que, em 1143, aí se travou uma batalha sanguinária entre as hostes de D. Afonso Henriques e as de seu primo, o Imperador e rei D. Afonso VII, de Leão.


O motivo da contenda residia na quebra do tratado de Tuy, em que o primeiro rei de Portugal prometia vassalagem ao soberano vizinho. Mas D. Afonso Henriques era um espírito rebelde, valente e determinado, disposto a fazer do Condado Portucalense que exigira, pelas armas, a sua mãe D. Teresa, um país independente e dilatado à custa das conquistas dos territórios da Moirama, a estenderem-se do Mondego ao reino do Algarve. Tivera, já, sob a protecção divina, uma batalha decisiva, nos Campos de Ourique, além-Tejo, contra cinco reis moiros. Como memória desta vitória e da milagrosa presença de Cristo, pois a lenda afirma o seu aparecimento ao rei, encorajando-o à luta contra os infiéis, a bandeira de D. Afonso Henriques passou a ostentar, em cinco quinas, as cinco chagas do Crucificado.

Sabendo da entrada do imperador pelo norte do país que estava a construir, com entusiasmo, o rei português sobe aos Arcos, disposto a terçar armas pelos direitos do seu sonho

patriótico. E foi ocupar logo, para dar batalha, um lugar privilegiado, o alto Castelo de Santa Cruz, onde os seus cavaleiros aguardaram, impacientes, o inimigo leonês. Em piores condições enco ntrava-se D. Afonso VII, à frente das suas mesnadas. Combater o primo, em tais apuros, era uma temeridade! Então, sabiamente aconselhado, propôs a D. Afonso Henriques o encontro dos dois exércitos na planura da veiga, não para a violência de uma batalha, mas apenas para a destreza de um torneio, ou bafordo, como então era chamado. Assim, cada cavaleiro português desafiava um cavaleiro leonês, para um confronto singular. E venceria quem mais inimigos houvessem derrubado. D. Afonso Henriques aceitou o repto e, rodeado de bons e esforçados cavaleiros, experientes em manejar a lança e a espada no corpo do contendor, saiu-se vencedor do bafordo, obrigando o imperador a regressar aos seus domínios de além-Minho.

Pouco tardou que D. Afonso VII não assinasse um armistício com o primo português, aceitando-lhe, diante de um alto dignitário da Igreja, o título de rei. Graças ao acordo entre dois monarcas, a veiga arcuense assistiu, assim, não a uma carnificina, mas quase a um espectáculo palaciano, embora temerário, que, noutras circunstâncias, poderia, até, ser admirado por damas e donzéis, entre guiões de seda e ornamentos de festa. Mas a lenda sobrepõe-se à História, e, séculos atrás de séculos, o povo olha a pujança pacífica daquela extensa veiga cultivada, como local fatídico de uma horrenda batalha, com a terra empapada em sangue, cavalos desventrados, guerreiros agonizantes, segurando, ainda, na mão exangue, lanças, escudos, espadas, gemendo de dor, suspirando de morte. Incólume, no meio desta hecatombe, empunhado a branca bandeira das quinas, montando um cavalo banhado de espuma, mas de crinas agitadas ao vento da glória, qualquer pode imaginar o vulto espesso e nobre de D. Afonso Henriques, o rei-herói, anunciando, naquela veiga, naquela matança, o Dia Primeiro de Portugal!.


Transcrito de: Viana, António Manuel Couto, 2002. Lendas do Vale do Lima, Valima.

Fotos: Geocaching

quarta-feira, 9 de maio de 2007

A Moura da presa de S. Domingos

Duma feita, estava uma Moura a lavar uma grade de ouro na presa de S. Domingos, na freguesia da Carvalhosa, de Paços de Ferreira.

O dono da presa foi pela sesta soltá-la, para regar um campo de milho a que tinha acabado de dar a segunda sacha.


A Moura, ao vê-lo, parou de trupar com a grade na auga, e pidiu-lhe que a não abrisse para a poder lavar a preceito.


Ao lavrador ainda lhe deu continuas de a satisfazer, porque a Moura até riquezas lhe ofereceu, mas ele não podia deixar para oitro dia, por que os milhos estavam entalados.


A primeira sacha tinha sido mal feita; a segunda muito trabalhosa, e era preciso que o lavrador se chegasse a elles, porque lá diz o ditado:


‘Quem mal decrua, ao arrendar a sua’.


Então a Moura, para se vingar, rogou-lhe esta praga: - «Nunca mais guiarás a auga, nem te chegará ao campo».


E o caso é que ela teve revaleste.


Era que farte, e depois começou a chupar-se, a sumir-se pelo monte, pouco a pouco e nunca mais ninguém lá chegou.


E, antigamente, até regava uma agra que ficava muito longe, no lugar de Peias.


Transcrito de: Brandão, Abílio, 1911. Lendas de Mouras Encantadas in Revista Lusitana, volume 14, Livraria Clássica Editora, Lisboa.

Pedras-Mouras

Na Bouça de Talhos, da freguesia de Jesufrei, do concelho de Vila Nova de Famalicão, existem, desde o tempo dos Mouros, umas pedras feitas a picão, com riscos fundos, de forma de cruzes, abertos nas pedras.

Quem nelas se assentar, fica encantado, e se levar alguma para casa morrem-lhe todos os animais que tiver.


Há muitos anos já que o Joaquim da Bouça, d’Arnosa, levou uma das pedras-mouras para casa e, pouco tempo depois, morreram-lhe os bois, porcos e galinhas.


Só passou este andaço depois que tornou a levar a pedra moura ao lugar donde a tinha tirado.



É assim, consoante agora a contamos, que temos ouvido ao povo esta lenda.


Ainda há dias, um mancebo de Jesufrei nos afirmei que, quando era rapazinho, e andava a pastorear o gado, os amos lhe recomendavam sempre se não assentasse nas pedras-mouras, pois era tal o medo que tinha, que nem perto delas passava.


Aguilhoado pela curiosidade de ver as pedras mouriscas, que deram origem a esta lenda, fomos procura-la à Bouça de Talhos.


Efectivamente lá encontramos entre o mato, em diversos lugares, num pequeno montado e pinheiral, vedado por parede, três pedras feitas a pico e que denotam grande antiguidade, tão apagados e gastos estão as gravuras duma.


Na face mais polida duma vê-se uma circunferência, que mede de diâmetro 0,38m, com uma cruz do mesmo tamanho, à guisa da dos cavaleiros da ordem de malta. Esta tem de comprimento 0,80m; de largura 0,44 e de grossura 0,30m. Dum lado, em linha regularmente distanciadas, têm oito covinhas em apenas lhe cabe a cabeça do dedo mínimo.


Outra é das mesmas dimensões e com igual desenho no lado aposto, em cima e nas bandas.


Foi partida em três partes, provavelmente por algum supersticioso dos que crêem, como é vulgar no povo, que nas pedras-mouras estão encantadas riquezas.


Outra pedra mede 1,36m de comprimento, 0,45m de largura e 0,30m de espessura e a circunferência com a cruz é de 0,38m de diâmetro, mas só dum lado, que está feito a pico.


Ainda outra igual a esta está no Campo da povoação, encostada à parede do Campo da carreira.


Transcrito de: Brandão, Abílio, 1911. Lendas de Mouras Encantadas in Revista Lusitana, volume 14, Livraria Clássica Editora, Lisboa.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

A Lenda do Cervo Rei

Era uma vez … um cervo (veado), que os Deuses do Olimpo quiseram que fosse Rei. Escolheu estas terras outrora desabitadas do "bicho" homem e aqui prantou sua colónia de cervos de tal modo que nas redondezas toda a gente passou a chamar a estes lugares "terras de cervaria".


Muitos anos correram. Lutas e refregas, calamidades que foram dizimando a colónia, até que ficou só o Rei Cervo.


Diz a lenda que na Reconquista quando os Senhores de pendão e caldeira desceram dos cerros asturianos à conquista do que seria mais tarde o "Condado Portucalense", um jovem fidalgo desafiou o Rei Cervo para uma luta frente e frente.


E o velho senhor aceitou. A luta seria travada entre arvoredos e ervas daninhas e num local onde existiam pequenas valas no lugar de Valinha (Cornes ?).


E sem apelo nem agravo conta-nos a "estória", o Rei Cervo venceu !


Ficou com o pendão do fidalgo e, a partir daí, seu brasão de armas foi a bandeira conquistada.


Mas os Deuses enganaram o velho Rei. Ele não seria imortal …


Cansado da vida, doente, na solidão das fragas, o velho Senhor morreu. E com ele desapareceu para sempre a "Terra da Cervaria" (…).


Ainda hoje e para que a "estória" se não perdesse, as "armas" de Vila Nova de Cerveira têm um cervo em campo verde, passante de ouro, armado de prata, contendo entre as hastes um escudete de azul carregado de cinco besantes de prata. E, também, no cimo dos montes deste Município mandou construir "in memoriam" o Rei Cervo, que numa notável escultura em ferro, de José Rodrigues, atesta a longevidade das "Terras de Cervaria".





Transcrito e foto de: RTAM

quinta-feira, 3 de maio de 2007

A Mal Degolada

Em tempos muito antigos viveram nas margens do rio Lima, perto da vila de Ponte de Lima algumas famílias de mouros. Eles teimavam em lá continuar.


Uma jovem moura muito bonita, apaixonou-se por um jovem cristão. Então começaram a namorar em segredo, porque eles não tinham a mesma religião. As famílias não aceitavam tal namoro.


Um dia, foram dizer ao cristão apaixonado, que ela ia namorar todas as noites com outro homem, para junto da fonte. O rapaz não queria acreditar, mas ficou desconfiado.


Assim, armado de um comprido punhal foi espreitá-la junto à fonte, mas escondido.


Verificou que era verdade o que lhe tinham dito. Ficou cheio de ódio e quis vingar-se. De um salto, enterrou o afiado punhal no pescoço da moça, repetidas vezes.


De repente, ouviu-se a voz de um velho e ele parou:


- Desgraçado, o que fizeste ?! Acabas de matar a moça que por amor a ti, aprendeu o catecismo. Acabei agora mesmo de a baptizar, como cristã.


O velho que falou, era um santo frade do convento. Ali vinha todas as noites, para a família dos mouros não desconfiar.


Isto aconteceu onde hoje é a freguesia de Bertiandos. O povo chama à fonte, a "Fonte da Moura" que fica na quinta de Bertiandos. Há também uma rua vizinha chamada a Rua da Fonte.


Transcrito de: Ponte de Lima

segunda-feira, 30 de abril de 2007

As Maias

Todos os anos, de 30 de Abril para 1 de Maio é tradição no Minho, Douro e Beira Alta, que se coloquem à porta ou janelas de casa ramalhetes de giestas amarelas, também conhecidas por maias por florirem em Maio. Todavia, noutras regiões de Portugal é também celebrado, embora de forma algo diferente [1].


Leite de Vasconcelos [3] refere o costume português das Maias como a mais antiga menção desta festa popular, festa evidentemente naturalística, posto mais ou menos desviada da sua significação primitiva, já pelo próprio Paganismo, já pelo Cristianismo, creio que se acha nestas linhas da Postura da câmara de Lisboa de 1385: «Outro sim estabelecemos que daqui em diante em esta Cidade e em seu termo não se cantem as Janeiras nem Maias, nem outro nenhum mês do ano».


É referido também que as origens desta tradição, de reminiscências pagãs, encontra-se ligada a ritos de fertilidade, do início da Primavera e do novo ano agrícola, tal como se afirme que afasta o mau-olhado e as bruxas de casa [1] [2].


As Maias propriamente ditas constam de duas partes: o enramalhamento das portas, e o “Maio-moço”. A primeira é celebrada no 1º de Maio no Minho, Douro, Beira Alta, entre outros, onde se enfeitam “as portas das casas com ramos de giestas, chamadas Maias (…). O povo dá destes costumes duas explicações (…):

  1. Quando a Virgem foi para o Egipto, deixou pelo caminho muitos ramos de giesta para não se enganar na volta;
  2. Quando Jesus Cristo nasceu, os Judeus procuraram-no para o matarem, e, como soubessem que ele estava em certa casa, colocaram-lhe à porta um ramo de giesta, a fim de no dia seguinte o prenderem. Nesse dia porém, todas as casas da povoação apareceram marcadas, e os Judeus não puderam dar com ele [3].


Com o advento do Cristianismo atribuiu-se a este velho ritual pagão um carácter religioso ligado à Festa da Santa Cruz e, mesmo, ao Corpo de Deus. A lenda, alusiva a esta tradição, que com mais frequência se ouve no Alto Minho, reza assim: Herodes soube que a Sagrada Família, na sua fuga para o Egipto, pernoitaria numa certa aldeia. Para garantir que conseguiria eliminar o Menino, Herodes dispunha-se a mandar matar todas as crianças. Perante a possibilidade de um tão significativo morticínio, foi informado, por um outro "Judas", que tal poderia ser evitado, bastando para isso, que ele próprio colocasse um ramo de giesta florida na casa onde se encontrava a Sagrada Família, constituindo um sinal para que os soldados a procurassem e consumassem o crime... A proposta do "Judas" foi aceite e Herodes tratou de mandar os seus soldados à procura da tal casa. Qual não foi o espanto dos soldados quando, na manhã seguinte, encontraram todas as casas da aldeia com ramos de giesta florida à porta, gorando-se, assim, a possibilidade do Menino Jesus, ser morto [2].

Daí terá vindo essa tradição de colocar ramos e giestas (ou conjuntamente com outras flores, coroas), nas portas e janelas das casas, na véspera do 1º de Maio. De registar, ainda, que no Alto Minho este costume se estende aos carros de bois, aos automóveis, aos tractores, etc. Em certas localidades, coloca-se o raminho de giesta porque... o Maio é tolo! Noutras, os rapazes que estão para casar, metem por baixo das portas das casas das moças "de bom comportamento" (sem disso elas se aperceberem) uma "maia de rosas" [2].

Publish: Sandra Fernandes


Bibliografia:


[1] Falcão do Minho, 2006. Tradição das Maias. Site disponível: Jornal Falcão do Minho; URL: http://www.falcaodominho.pt/jornal/fm_news.php?nid=38.

[2] RTAM, 2004. Os Maios… As Maias. Site Disponível: RTAM – Região de Turismo do Alto Minho; URL: http://www.rtam.pt/index.php?id_categoria=3&id_item=410.

[3] Vasconcelos, José Leite de, 1938. OPÚSCULOS Volume V – Etnologia (Parte I). Imprensa Nacional, Lisboa.

terça-feira, 24 de abril de 2007

A Truta da Rainha

Vítima de uma intriga dos escudeiros de seu marido, Aragúncia, rainha de Aragão, foi injustamente acusada de favorecer com as suas atenções um jovem cavaleiro da corte. O rei de Aragão achou que esta ofensa só seria resgatada com a morte.

Aragúncia decidiu fugir quando teve conhecimento do seu destino fatal e, disfarçando-se de mendiga, saiu do castelo com algumas aias e escudeiros da sua confiança. O rei perseguiu-a e esteve quase a alcançar o pequeno séquito, mas os barqueiros de rio Minho ajudaram a rainha, demorando muito a travessia dos homens do rei. Aragúncia recolheu-se numas escarpas negras que formavam uma pequena fortaleza natural junto ao rio.

O rei decidiu pôr-lhe cerco e fazer a rainha render-se pela fome e pela sede. Mas como quem não deve não teme, a Aragúncia não desesperou e quando teve sede encontrou uma pequena fonte que brotava das rochas. Passados dias, quando a fome começou a apertar apareceu por cima do penhasco uma águia-real levando nas garras uma truta que deixou cair. Embora atormentada pela fome, Aragúncia embrulhou a truta e mandou-a ao rei para que este se saciasse. Convencido que Deus estava com a rainha, o rei de Aragão levantou o cerco de um local que passou a chamar-se Trute, decidindo perdoar-lhe a falta. Aragúncia recusou o perdão por uma falha que não tinha cometido e ficou a viver naquele local austero para sempre.

O lugar ficou a ser conhecido por Castelo de Furna ou Castelo de Faião (Valença), onde existe uma pedaço de terra a que o povo ainda chama de Horta da Rainha. A tradição manda que, nas manhãs de S. João, o povo acorra àquele local para beber da água que matou a sede da rainha e que tem a fama de curar as doenças de pele.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

A Lenda do Rio Lima

Comandadas por Décios Junos Brutos, as hostes romanas atingiram a margem esquerda do Lima no ano 135 aC. A beleza do lugar as fez julgarem-se perante o lendário rio Lethes, que apagava todas as lembranças da memória de quem o atravessasse, os soldados negaram-se a atravessá-lo. Então, empunhando o estandarte das águias de Roma o comandante chamou da outra margem a cada soldado pelo seu nome. Assim lhes provou não ser esse o rio do esquecimento.

Tapeçaria de Almada Negreiros existente no Hotel de Santa Luzia em Viana do Castelo
Foto: http://www.pontedelima.com/lethes.htm

Com relação ao rio Lima, história e lenda encontram-se tão interligadas que nem sempre é fácil delimitar onde acaba uma e começa outra.

Foi sempre a beleza do rio a provocar encómios e o sentimento de incapacidade duma expressão condigna a atrair o poder sugestivo da lenda. Vem dos velhos tempos o processo.

Estrabão designou-o por Beliom e relata ter ocorrido nas suas margens um episódio militar entre Túrdulos e Célticos.

Iam já a atravessá-lo quando surgiu entre os dois povos uma discórdia.

Lutaram e foi o sangue do próprio comandante que se juntou ao de muitos outros a macular a brancura das águas.

Desorientados ficaram os soldados e, sem comando, se dispersaram pelas margens, em luta pela sobrevivência.

Lucano chamou-lhe o "Deus do Tacitus", em virtude da mansidão com que corriam as suas águas.

Tito Lívio denominou-o "Rio do Esquecimento" (Oblivionis fluvis ou flumen).

Surgiu, então, a sua identificação como Lethes da mitologia, que tinha o condão de provocar em todos os que o transpusessem o olvido do passado e da própria pátria.

Campos Elísios passaram, em consequência, a apelidar-se os que circundavam, isto é, as suas margens.

Mais semelhantes a jardins, no conceito mitológico; onde, segundo o testemunho de Políbio, só durante três meses do ano as rosas não floriam.

E ainda Estrabão que nos diz ser esta a terra perfeita por qualquer fugitivo de Roma.

Dentro deste condicionalismo, aqui chegaram um dia, sob o comando de Décios Junos Brutos, as legiões romanas, com as altivas águias a tremularem nos pendões.

Vitoriosas haviam pisado as terras que estavam para sul e propunham-se prosseguir.

Desciam, a justante, dos lados de Ponte de Lima e teriam iniciado a jornada desse dia em Vitorino das Donas:

"Daqui saiu Bruto pelos campos tão celebrados com o nome de Elysios a procurar lugar em que com o se exército pudesse vadear as cristalinas águas do Lethes tão respeitadas com a fabula virtude de encantadoras." (João de Barros, Antiguidades de Entre Douro e Minho).

Encontravam-se no lugar da Passagem e fácil pareceu ao comandante a travessia.

Nesse sentido emitiu ordens, mas encarniçada se revelou a resistência dos soldados, conhecedores como eram dos poderes sortílegos atribuídos às suas águas.

Não perdeu ele a serenidade nem achou conveniente procurar convencê-los por meio de palavras.

Tomou a bandeira, ergueu-a ao alto, transpôs o vau e, já da outra margem, a muitos chamou pelo nome e incitou a seguirem-lhe o exemplo.

Por esse meio os convenceu de que, afinal, não era verdade o que a lenda propalava.

Assim exaltado nos advém, das mais longínquas eras, o fascínio deste rio que até aos nossos dias tem sido cantado por todos quantos puderam contemplá-lo.

Transcrito de: Conde de Bertiandos, in Lendas, 1898.